De mãos dadas pelos caminhos das rosas vermelhas

Mirosas caminhonha  mãe foi diagnosticada com Alzheimer há mais ou menos sete anos. Não sei o mês exato, mas foi em abril ou maio. Lembro que saí do consultório médico sem chão, fui para o trabalho e procurei por uma sala vazia onde eu pudesse chorar. Tinha ideia das dificuldades que estariam por vir. Por muito tempo (quase cinco anos), tentei negar para mim mesma a doença, paradoxalmente me esforçando para aceitar da melhor forma, mas com uma esperança infantil de que havia um engano no diagnóstico. Até que os avanços da demência chegaram e eu fui obrigada a ver.

Até cerca de dois anos atrás, eu jamais escreveria sobre este assunto a não ser de forma velada. Simplesmente porque seria penoso demais para mim falar sobre algo que me era tão dolorido. Porém, no meu processo de busca de compreensão e de aceitação da doença, que é complexa, mergulhei em pesquisas e escrevi um texto de teatro que ganhou vida pelo Grupo de Teatro Iluminartt, de Pará de Minas/MG, com direção de José Roberto Pereira. A peça, intitulada “Pelos caminhos das rosas vermelhas”, estreou em agosto de 2015, com apresentações em Pará de Minas, Itaúna e Belo Horizonte e retornou em Pará de Minas em março deste ano. Foi pouco antes  de escrever a peça que passei a ter coragem para falar sobre a doença.

Quando estava escrevendo o texto, eu pedi, pela internet, em um grupo de familiares  e cuidadores de portadores da doença, que atribuíssem uma palavra ao Mal de Alzheimer a fim de caracterizá-lo ou descrevê-lo, e recebi diversas respostas, como impotência, injustiça, provação, sofrimento, maldição,  mas uma das que  teve mais ocorrências foi “crueldade”, exatamente como eu a defino e como uma das atrizes da peça diz em cena. É uma doença cruel porque vai fazendo a pessoa morrer aos poucos,  porque faz com que a pessoa perca todas as suas capacidades (em muitos casos, com alguma consciência disso), levando embora sua identidade, sua dignidade.

Hoje, minha mãe está na fase intermediária,  bem perto da avançada, ao que parece. Está com muita dificuldade para andar (por diversas vezes, perdeu totalmente a força nas pernas, e achamos que não andaria mais), precisa de ajuda para tudo. Ainda nos reconhece, já fazendo confusões, às vezes, e tem os momentos em que se dá conta de sua degeneração.  É triste vê-la morrendo dia a dia. E não compartilho isso para comover as pessoas com o que estou vivendo.  Compartilho porque, de alguma forma, pode ser útil a muita gente que passa por isso. Eu fiquei muito perdida quando entendia pouco do que estava nos acontecendo e encontrei alento em leituras e relatos em um grupo de apoio em uma rede social. Talvez, também, porque seja mais uma forma de enfrentamento.

Para mim, hoje, é menos difícil conviver com o Alzheimer da minha mãe, o que não significa que não seja doloroso e, eu sei, pode ficar muito mais. O que eu quero e procuro é estar ao lado dela e do meu pai, seu principal cuidador, o maior tempo possível e fazer o que eu puder, e a gente sempre fica com a sensação de que é pouco. E, no que eu puder, ajudar  quem passa pela mesma situação (um dos motivos pelos quais nasceu “Pelos caminhos das rosas vermelhas”).

Às vezes, ao lado dela,  eu me lembro do saudoso Rubem Alves, que disse que a metáfora mais bonita para a velhice é o crepúsculo, o pôr-do-sol. E que o crepúsculo faz pensar, traz a consciência da rapidez do tempo, da brevidade da vida. É mesmo uma metáfora bonita. E eu a imagino em sua juventude, cheia de sonhos e de alegria, e no mesmo instante o Quintana surge entre nós (os poetas não me deixam, ainda bem!), e o ouço dizendo “quando se vê, já são 6 horas: há tempo… quando se vê, já é sexta- feira… quando se vê, passaram 60 anos…” Parece ser assim mesmo a vida. E o tempo com quem amamos, por maior que seja, nunca será suficiente para nós.

Quem ainda não viu  a peça ou quem quer vê-la novamente poderá assisti-la no Teatro Marília, em Belo Horizonte, nos dias 29 e 30 de abril próximos. E constatar que o espetáculo não é apenas sobre o Alzheimer, mas também sobre a finitude da vida, a fragilidade do ser humano, relações familiares e, principalmente, sobre a importância de valorizarmos quem temos perto de nós e o que é realmente importante.

É um chamado à realidade, à reflexão e à emoção. E todos estão convidados.

 

 

 

Sobre Carmélia Cândida

Bruxa Feminista Escritora - Atriz - Contadora de histórias 🌸 "Sou eus, simplesmente Sou inconstância" Membro da Academia de Letras de Pará de Minas, do Grupo de Teatro ReVerso e do Laboratório Poetisas.
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2 respostas para De mãos dadas pelos caminhos das rosas vermelhas

  1. Nalia disse:

    Meu pai tambem foi recentemente diagnosticado com esse MAL. Ainda estou inconformada.

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  2. Joandre Melo disse:

    Querida Carmélia!
    É um drama, talvez, um dos mais trágicos que você encontrará ao longo do caminho. Mas, pense assim, talvez, ela esteja indo; lentamente, porém, sem perceber o fenecer da existência.

    Não ajuda muito não é? Mas pode contar conosco, ao seu redor, para ajudá-la a passar por tudo.

    Abraço,
    Joandre.

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